Fixação, síntese e liberdade
Fixação: a constância em algo de modo que a repetição seja a satisfação.
Síntese: a junção de informações associadas ao objeto fixado.
Liberdade: a escolha de quebrar barreiras e crenças diariamente, por entender onde está a raiz da fixação.
Tem um conceito que ouvi quando era mais nova e ele me marcou muito.
Acredito que ele está na base dos valores e crenças que carrego pra vida: “Nós só quebramos regras, quando as conhecemos”.
Foi a partir disso que comecei a me interessar por disciplina.
Quando eu comecei na fotografia, lá na adolescência, me lembro bem de ouvir e ler bastante sobre a regra dos terços. A regra dos terços compõe uma imagem intencionalmente equilibrada. Nela, o objeto de interesse deve estar em um dos pontos “existentes” na área composta. Assim, uma grade imaginária (ou não) é usada pra guiar a produção. Sempre que me deparava com alguém apresentando a regra dos terços, eu sentia um incômodo. Uma certa preguiça, algo nisso me deixava inquieta. Ao mesmo tempo em que pensava ser possível ir além pra produzir uma boa fotografia, não me sentia no direito de dizer o contrário, afinal, estava no começo. Os anos se passaram e a conclusão sobre a regra dos terços é: ela é necessária e um ponto de partida, pois ela é o objeto sintetizado de muitas teorias pra produção visual.
Mas o ponto é: a regra.
A regra existe para organizar. Um mundo sem regras é um mundo desequilibrado. Com regras também, mas sem elas, seria necessário contar só com o bom senso do outro e isso é completamente subjetivo.
Quando seguimos a regra de peito aberto e cabeça no lugar, inserimos o discernimento na história. O discernimento nos permite agir sem histeria. Ele nos puxa de volta.
Depois de seguir repetidamente uma regra, no modo de fixação, chega um momento em que a mente pede mais. Mas não como um avanço no sentido competitivo e sim como algo que chegou num ponto em que nem se sabe mais o motivo de estar ali. A repetição exaustiva da regra sem a compreensão, causa indiferença. E daí, se insistir mais um pouco, chega o momento em que a chave vira: “beleza, e se eu fizer diferente?”.
Esse “e se eu fizer diferente” é o que causa a transformação.
Veja, aqui, não é sobre fazer diferente logo de início - não como prova ou autoafirmação - mas passar pelo processo de entender essa possibilidade, com contextualização.
Dali em diante, a regra passa a ter seu valor como base, não como finalidade e então entra-se no campo da experimentação.
Eu consigo perceber algumas situações da minha vida em que entendi esse conceito e pensei nisso:
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na história da fotografia;
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na faculdade, quando entrei na pesquisa científica e entendi os graus de busca e divulgação de materiais. Quando se foca em pesquisa, um SciELO é muito mais interessante que um Google. Um Lattes é muito mais relevante que um LinkedIn, por exemplo.
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quando eu praticava Yoga. Meu professor e eu passávamos horas conversando sobre a teoria e parte filosófica da prática - antes ou depois da aula. Lembro que um dia comentei com ele sobre um autor X que estava interessada e queria saber a opinião dele sobre as produções. A resposta ficou na minha cabeça: “Ele não é ruim, mas é bom pra quem quer começar. Vai chegar uma hora que ele não vai mais fazer sentido, então leia mas não use ele como referência absoluta”. Desde então levei essa frase como direcionamento pra muitas coisas na vida;
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na corrida, quando entendi que fazer o certo repetidamente - como começar com um pace alto pra aquecer e colocar o corpo no lugar e gradualmente ir diminuindo até o ponto em que meu corpo permite, não que eu idealizo - leva à evolução;
Chega um momento em que a regra não te serve mais - e não é porque ela não é verdadeira, mas porque, no seu momento de vida isso já não tem mais sentido.
Assim, a regra cumpre a sua função. Te dá a base e te direciona aos próximos passos. O ponto é: tem que querer e entender que está preparado pro próximo passo. Tem gente que fica na base e está ok.
A grande coisa da quebra de regra é o conhecimento. É a execução contínua com análise, peito aberto e cabeça no lugar (outro lema que carrego comigo). Sem mais nem menos. Sem se colocar num pedestal nem se diminuir. É uma ação seca. A quebra de regra por si só é bobagem, é um ato barulhento e impensado. A quebra de regra consciente (depois de tanto experimentar a fixação, depois de juntar as anotações mentais e sintetizar os prós, os contras e os fatos) e a compreensão de como isso se liga a você, é um ato delicioso.
Daí sim, entra-se no campo da liberdade.
A liberdade é a escolha da mudança. E essa escolha geralmente vem por necessidade. Liberdade sem regra/rotina/base, é só impulso histérico.
O que antes me causava inquietação, hoje me causa fascínio. Nada me traz mais paz que a rotina e a ordem. Isso serve pra trabalho, pra treino e pra família. Talvez seja esse o meu parâmetro pra observar evolução e uma forma de aplicar a autoanálise com muita satisfação.
Pesquisa e aplica.